O capitalismo é um
modo de produção fundado na divisão da sociedade em duas classes essenciais: a
dos proprietários dos meios de produção (terra, matérias-primas, máquinas e
instrumentos de trabalho) - sejam eles indivíduos ou sociedades - que compram a
força de trabalho para fazer funcionar as suas empresas; a dos proletários, que
são obrigados a vender a sua força de trabalho, porque eles não têm acesso direto
aos meios de produção ou de subsistência, nem o capital que lhes permita
trabalhar por sua própria conta.
O capitalismo não existe em lugar nenhum em estado puro. Ao lado dessas
duas classes fundamentais vivem outras classes sociais. Nos países capitalistas
industrializados, encontra-se a classe dos proprietários individuais de meios
de produção e troca, que não exploram ou quase, mão-de-obra: pequenos artesãos,
pequenos camponeses, pequenos comerciantes. Nos países do Terceiro Mundo,
encontramos muitas vezes ainda proprietários fundiários semifeudais, cujos
rendimentos não provém da compra da força de trabalho, mas de formas mais
primitivas de apropriação do sobre trabalho, como a corveia ou a renda em
espécie. Trata-se aí, porém, de classes que representam resquícios das
sociedades pré-capitalistas, e não classes típicas do próprio capitalismo.
O capitalismo não pode sobreviver e desenvolver-se senão quando estão
reunidas as duas características fundamentais que acabamos de indicar: o
monopólio de meios de produção em proveito de uma classe de proprietários
privados; existência de uma classe separada dos meios de subsistência e de
recursos que lhe permitam viver de outro modo que não pela venda da sua força
de trabalho. O modo de produção capitalista reproduz constantemente as
condições da sua própria existência.
A repartição do "valor acrescentado", do rendimento nacional,
faz surgir, por um lado, uma acumulação de capitais (entre as mãos das
empresas) que permite transformar em propriedade privada o essencial dos meios
de produção e de troca recém-criados. Esta mesma repartição do rendimento
nacional condena, por outro lado, a massa dos assalariados a só ganhar o que
eles consomem, mesmo quando o seu nível de vida e de consumo sobem
progressivamente; ela não lhes permite se transformarem em capitalistas, isto
é, em indivíduos trabalhando por sua própria conta.
Duas séries
estatísticas universais confirmam a justeza desta tese. Em todos os países
capitalistas, a parte da população ativa obrigada a vender a sua força de
trabalho não para de aumentar; a parte desta população ativa que constituem os
"independentes" e suas "ajudas familiares" não cessa de
diminuir. A repartição da fortuna privada faz surgir uma enorme concentração: a
metade ou mais da fortuna mobiliária é geralmente detida por 1, 2, 3% das
famílias, ou ainda por uma fracção mais reduzida da população.
Quando essas condições de existência do modo de produção capitalista são
inexistentes à partida, ou existem parcialmente, o capitalismo não pode
desenvolver-se senão criando-as artificialmente, pela força. Assim, em
numerosos países do Terceiro Mundo, a
penetração capitalista foi travada pela existência de abundantes reservas de
terras, que permitiram à massa das populações indígenas sobreviver
entregando-se à agricultura nas terras sem proprietário. Para transformar essas
populações em proletários, era preciso suprimir o acesso livre a essas terras,
quer dizer transformar estas em propriedade privada. Durante o último quarto do
século 19, esse processo generalizou-se na América do Norte e em vastas zonas
de África.
O modo de produção capitalista é essencialmente uma forma de economia de
mercado. Ele constitui o único exemplo histórico de uma economia de mercado
generalizada. Todos os elementos da vida económica tornam-se mercadorias: não
somente a terra (que não existia de forma nenhuma em regime feudal típico), os
instrumentos de trabalho, as máquinas, o capital-dinheiro, mas também a própria
força de trabalho. Nas origens do capitalismo, há precisamente esta
generalização da produção e da circulação de mercadorias na sociedade. As
concentrações do capitalismo, que o levarão a desaparecer, provêm todas, em
última análise, das concentrações inerentes à própria produção mercantil.
As origens
Convém não confundir "capitalismo" e "capital". O
primeiro é um modo de produção nascido da penetração do segundo na esfera da
produção. Mas antes de transtornar o modo de produção, o capital existia, no
seio dos modos de produção anteriores, essencialmente em sociedades feudais e
semifeudais e no modo de produção asiático.
A produção
para a troca
A partir de uma certa etapa de desenvolvimento das forças produtivas, a
troca - inicialmente ocasional e sem importância nas sociedades mais primitivas
- se regulariza no seio de sociedades ainda fundadas sobre uma economia
essencialmente natural. Assim aparece a produção para a troca (produção de
mercadorias) ao lado da produção para satisfazer diretamente as necessidades
dos produtores ou da sua coletividade. A pequena produção mercantil (por
exemplo o artesanato corporativo da alta Idade média) não foi criada pelo
capital. Ele pode manter-se estável durante séculos e coabitar com uma
agricultura de subsistência, com a qual ela estabeleceu relações de troca que
não minam nem um nem outro.
Mas a troca regularizada, que se estende progressivamente, faz nascer o
dinheiro e o comércio do dinheiro, sobretudo quando se trata de uma troca
prorrogada no tempo e no espaço (comércio internacional). O capital aparece na
sociedade capitalista sob a forma de capital-dinheiro, independentemente do
modo de produção e independentemente das classes fundamentais dessa sociedade.
Inicialmente intermediário, mas um intermediário que subjuga progressivamente
todas as esferas da atividade econômica.
Capital
usurário e capital mercantil
Os produtos de luxo escoados pelo comércio internacional supõem, para
serem consumidos por uma economia essencialmente natural, um equivalente em
dinheiro. O capital usurário apropria-se de uma parte da renda fundiária feudal
e provoca a dívida geral da nobreza. Ele submete os próprios príncipes, reis, e
imperadores, financiando as suas guerras e consumo de luxo. A economia
monetária estende-se (nomeadamente com a aparição da renda fundiária em
dinheiro), a usura apodera-se de todas as classes da sociedade, nomeadamente
por intermédio dos empréstimos sob penhora.
Numa economia essencialmente natural, o detentor do capital-dinheiro é
primeiro um estrangeiro (Sírio, Judeu, Lombardo, banqueiro italiano na Idade
média na Europa). Mas com a generalização da economia monetária, uma classe de
proprietários autóctones de dinheiro aparece progressivamente, acabando por
eliminar muitas vezes a dominação de detentores de capitais estrangeiros a
partir do momento que é transposta uma etapa determinada de desenvolvimento
econômico.
O início do desenvolvimento do comércio internacional fez aparecer o
capital mercantil ao lado do capital usurário. Esse capital financia
inicialmente empresas arriscadas, mas que asseguram um lucro bastante elevado
(expedições de pirataria, caravanas em direção à Ásia e África). Pouco a pouco,
ele organiza-se (as primeiras sociedades por ações, dupla contabilidade),
normaliza-se (zona da Liga Hanseática) e institucionaliza-se (grémios, feiras).
Cria os instrumentos típicos do crédito capitalista, que são os antepassados de
todo o nosso sistema monetário contemporâneo (letras de câmbio, moeda
escritural, papel-moeda, ações, títulos de dívida pública negociável).
O capital manufatureiro
As grandes descobertas dos séculos 15 e 16 provocam uma verdadeira
revolução comercial: o que ainda ontem era luxo, (açúcar, especiarias,
ornamentos em metais preciosos, café) está agora ao alcance de largas camadas
da população. O capital mercantil e os grandes bancos fundem-se e financiam
tanto o comércio marítimo regular de grande distância como a exploração
sistemática de riquezas coloniais (Companhia das Índias orientais). Da resposta
do capital comercial às limitações impostas à produção no seio das cidades
dominadas pelos ofícios de artesãos, bem como dos lucros nascidos do comércio
colonial (pilhagem das colônias, tráfico de Negros, "comércio triangular")
nasce o capital manufatureiro, que é a primeira penetração do capital na
produção propriamente dita. São os comerciantes-empreendedores que organizam,
no campo ou nas cidades outrora pequenas, uma indústria têxtil ou metalúrgica
no domicílio, depois, manufaturas nas quais os produtores, transformados em
proletários, são reunidos e colocados sob o controlo permanente de vigilantes:
trata-se de realizar uma divisão do trabalho mais avançada e de limitar os
roubos e as imperfeições.
A revolução agrícola (ligada à substituição da rotação trienal por
técnicas restauradoras da fertilidade dos solos, e à extensão da pastagem,
nomeadamente de ovelhas para alimentar de lã a indústria têxtil em pleno
desenvolvimento) aumenta consideravelmente o número de pessoas desenraizadas,
sem recursos nem acesso aos meios de subsistência e de produção. A aparição
desses desenraizados está ligada, aliás, a todos os fenômenos de decomposição
da sociedade da Idade média: o declínio das corporações, dissolução dos
séquitos feudais pelo empobrecimento da nobreza. Assim nasce o proletariado
moderno, seguidamente fixado, muitas vezes pela força, nas manufaturas e
primeiras fábricas.
A revolução
industrial
A revolução industrial concretizou esse modo de transformação do modo de
produção capitalista. Ao aumentar fortemente as despesas de instalação, ao
encarecer os instrumentos de trabalho, ela finaliza a transformação da
propriedade dos meios de produção em monopólio de uma classe social: a dos
proprietários de capitais. Ao permitir obter lucros consideráveis pelo emprego
de técnicas mais modernas - ao fazer da inovação tecnológica um motor de
mudança constante da produção - a revolução industrial faz refluir a maior
parte dos capitais do comércio para a produção. Ao baixar consideravelmente os
custos de produção das mercadorias, ela rebenta com todas as particularidades
(nacionais, climatéricas, tradicionais) das necessidades e dos produtos ao
criar um mercado mundial, à conquista do qual o capital se lança com
insaciáveis apetites de lucro. Ao estoirar com todas as antigas limitações da
produção, ela cria as condições de uma concorrência que é um chicote para o
capital: ele deve aumentar seus lucros a fim de acumular cada vez mais
capitais.
O nascimento do modo de produção capitalista está, portanto, ligado à
criação histórica das condições de existência acima indicadas. Ela está ligada
à generalização da produção mercantil, à criação do mercado mundial, bem como à
acumulação de experiências científicas e de progressos técnicos que tornaram
possível a revolução industrial. Todos esses processos culminam na afirmação do
poder político da burguesia capitalista.
A burguesia
capitalista
O desenvolvimento do capital usurário, do capital mercantil e mesmo do
capital bancário pode realizar-se no seio de numerosas civilizações. Ele não
foi inferior na Índia, na China, no império do Islão clássico, ao que foi na
Europa ocidental do século 13 ao 15. A China tinha séculos de avanço sobre a
Europa no domínio do desenvolvimento de uma série de técnicas produtivas. Mas a
potência do poder de Estado central - função nessas sociedades das necessidades
de irrigação da agricultura - impôs um processo descontínuo de acumulação de
capital-dinheiro. As famílias burguesas mais ricas viam os seus tesouros regularmente
confiscados. O capital é submetido, ele cala-se, espreita a ocasião de se
retransformar em propriedade imobiliária. No decurso da Idade média europeia,
produziram-se fenômenos comparáveis de descontinuidade. Mas, nessa época, o
Estado era relativamente fraco, a cidade adquire a primazia progressiva sobre o
campo e a jovem burguesia pode fazer uma longa aprendizagem de autonomia
política nas comunas mais ou menos livres.
Quando a monarquia absoluta aparece, a burguesia é suficientemente forte
que ela não pode mais ser dispersada. A Corte deve ao contrário efetuar um jogo
de sábia basculação entre esta burguesia e a nobreza de forma a afirmar o poder
real, já submetido ao capital pelas correntes de ouro da dívida pública. A ascensão
da burguesia em relação ao poder político estabelece as condições de uma
continuidade da acumulação do capital que, juntamente com progressos técnicos
decisivos, (nomeadamente no domínio da artilharia) permite a penetração do
capitalismo na Europa do século 16.
2 - O modo
de produção capitalista
A produção capitalista consiste na produção de mercadorias com vista ao
lucro. A procura do lucro é imposta pela concorrência. Toda a empresa que não
realize um lucro suficiente acumulará menos capital, terá um acesso difícil e
mais caro ao crédito, será por consequência afastada na corrida à tecnologia
mais moderna e perderá por esse fato mercados em proveito dos seus
concorrentes.
Mais-valia
e lucro.
Apesar de produção capitalista consistir na produção de mercadorias, é
necessário distinguir entre a produção do lucro (ou, mais exatamente, da
mais-valia) e a sua realização. A mais valia nasce no decurso do processo de
produção; ela provém do fato da mão-de-obra assalariada, ao trabalhar sobre a
matéria-prima com a ajuda de máquinas, preenche uma dupla função: conserva o
valor do capital constante com o qual ela opera, ao incorporar parcelas deste
valor em cada novo produto que fabrica; cria um valor novo, e este valor
ultrapassa o do próprio salário do trabalhador. A mais-valia é a diferença
entre o valor criado pela força de trabalho e o seu próprio valor.
Mas para que o capitalismo possa recuperar o capital investido (capital
constante + capital variável, o capital variável representando o preço da força
de trabalho) e realizar lucro, é necessário que as mercadorias sejam vendidas,
e vendidas a um preço susceptível de aumentar o lucro do capital investido.
Isso coloca dois problemas. Primeiro, o da venda propriamente dita, isto é, da
existência de uma procura socialmente solvável. Seguidamente, o preço de venda:
este pode ser tal que a companhia vende com prejuízo, que ela recupere somente
o capital, que ela faça lucro inferior, igual ou superior à média dos outros
capitais. A empresa capitalista joga sobre vários teclados, a fim de se
assegurar o máximo de proveito.
No plano da produção, ela vai procurar baixar ao máximo os custos de
fabricação: ela procurará técnicas produtivas mais avançadas, tentará baixar os
salários e reduzir a mão-de-obra empregada ao melhorar a organização do
trabalho (racionalização). A empresa capitalista recorrerá ao crédito para que
a maior parte do capital possa ser investido em máquinas: ela procurará um
crédito de circulação, que cobra a quase totalidade do fundo de maneio, e de
créditos a longo prazo no mercado de capitais para alargar a sua esfera de
operações para além dos seus próprios meios, emissões de ações e de obrigações.
Em geral, quanto mais o raio de operações se alarga, mais a produção aumenta,
mais o capital fixo colocado em movimento cresce, e mais o custo unitário
(custo da unidade produzida) baixa, e mais aumenta por esse fato a
competitividade da empresa e a massa absoluta dos lucros que ela realiza.
No plano da venda, efetua-se uma divisão do trabalho entre o capital
industrial e o capital comercial e bancário. Este último toma a seu cargo as
despesas de distribuição e de venda das mercadorias, encurta a duração da sua
circulação entre o momento onde elas são produzidas e o momento onde elas são
vendidas, procura estimular a venda por intermédio de técnicas mais diversas,
acrescendo assim o raio de ação do capital industrial, isto é massa de lucros
que obtém. Em troca, esses capitais apropriam-se de uma parte da mais-valia
social produzida nas fábricas capitalistas.
Assim efetua-se um movimento de nivelamento da taxa de lucro, pelo fluxo
e refluxo constante de capitais, que abandonam os ramos onde a taxa de lucro
cai abaixo da média social e afluem em direção dos ramos onde é superior a esta
média. Não se trata aí somente de uma tendência: a equalização absoluta das
taxas de lucro nunca se realiza em regime capitalista. Há sempre ramos em
expansão - cuja produção é ainda inferior à procura social solvável, que gozam
permanentemente dum superlucro monopolístico, de uma "renda de
monopólio" - e outras em declínio cuja produção é geralmente superior à
procura social e cuja taxa de lucro é, portanto permanentemente deprimida. Há
também, no interior de um mesmo ramo, empresas gozando do monopólio da produtividade
que realizam superlucros e empresas envelhecidas que não realizam o lucro
médio. A tentativa das empresas em ultrapassar o lucro médio é o motor essencial
dos investimentos e da atividade capitalista. Mas da multiplicação destas
tentativas surge precisamente a tendência em direção de uma equalização da taxa
de lucro.
Capital e
trabalho
O modo de produção capitalista não é somente dominado pela concorrência
entre capitalistas, mas também pela concorrência entre operários e
capitalistas. O "valor acrescentado" na produção industrial
partilha-se entre o trabalho e o capital; é um dado fixo, no termo de cada
processo de produção (ou de cada mês ou de cada ano): a parte de um não pode
aumentar sem que a parte do outro diminua. O capitalismo, a fim de acumular
capital, procura reduzir a parte dos trabalhadores no valor acrescentado,
enquanto que estes, a fim de aumentar seu nível de vida, procuram
espontaneamente acrescentar esta parte. Assim nasce a luta de classe elementar
no seio deste modo de produção.
A oferta da mão-de-obra é em primeiro lugar muito mais abundante do que
a procura: a industrialização, na sua fase inicial, suprime mais empregos do
que oferece. O movimento demográfico, ligado ao início da revolução industrial,
vai no mesmo sentido. Nesta época, o capital procura aumentar a sua parte do
rendimento nacional ao baixar os salários reais e prolongando a semana de
trabalho. Esta tendência prevaleceu no Ocidente do século 16 até meados do
século 19; ela prevalece ainda em parte nos países do Terceiro Mundo.
Seguidamente, a procura de mão-de-obra aumenta mais rapidamente, quando
a industrialização se acelera, sobretudo nos países ocidentais que se tornaram
as oficinas industriais do mundo. A oferta tende a reduzir-se decorrente da
emigração em massa (70 milhões de Europeus partiram para os países de
além-mar). Assim, o jogo da oferta e da procura parou a baixa absoluta dos
salários reais. Estes começam a aumentar progressivamente. Os capitalistas procuram,
porém, em manter constante a sua parte do "valor acrescentado" pelo
crescimento da produtividade. Como esta implica a maior parte das vezes que as
máquinas se substituem às pessoas, ela oferece ao capital a vantagem
suplementar de reconstituir periodicamente o exército de reserva industrial e
de manter os salários nos limites suportáveis pelo regime.
Aula 2º ano, ensino médio.