Na década de 1930, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda deram forma científica à sociologia brasileira. Amparados, respectivamente, nas obras de Franz Boas, Karl Marx e Max Weber, formalizaram a Sociologia como ciência no Brasil. A importância desses autores foi decisiva quanto aos rumos da Sociologia a partir desse momento. A seguir, vamos examinar os pontos centrais das obras de Sérgio Buarque e Caio Prado Júnior, já que a perspectiva de Gilberto Freyre foi comentada no capítulo 4.
Como vimos, Sérgio Buarque adota o referencial weberiano para analisar o Brasil do período colonial. Sua inserção no debate se dá pela denúncia dos fundamentos agrários e patriarcais presentes na sociedade brasileira. Mostra-se também contrário às teorias racistas e, aproximando-se de Gilberto Freyre, entende que a mestiçagem teve papel central na construção da identidade nacional. Não obstante, essa aproximação não pode ser percebida com relação à herança rural. Enquanto Gilberto Freyre faz uma interpretação positiva do passado rural, como algo próprio de nossa cultura e que não deveria ser transformado, Sérgio Buarque enfatiza a necessidade da transformação social, da constituição de um conjunto de regras e normas destinadas a superar um passado de favorecimentos pessoais originários das oligarquias rurais.
Alicerçando seu raciocínio nos tipos ideais weberianos, Sérgio Buarque constitui um etos nacional, isto é, um conjunto de características que se sintetizam em uma cultura específica, na medida em que explicita os traços marcantes da sociedade brasileira da época. Esse etos nacional tem um sentido histórico e se fundamenta em uma relação dialética própria da sociedade brasileira. De um lado, Sérgio Buarque assinala a modernização da sociedade brasileira, de outro, o conservadorismo que tenta bloquear essa modernização.
Para esse autor, o tipo ideal que explicita esse processo contraditório é o homem cordial. Ele seria a chave analítica para compreender como certos setores da sociedade brasileira resistem ao processo de modernização. Segundo Sérgio Buarque, a modernização representa a construção de uma nova sociabilidade, que coloca em risco o universo das relações de favorecimento. Nesse sentido, o Estado moderno e não centralizador é visto como hostil e as relações pessoais são ativadas na tentativa de frear esse processo.
A cordialidade marca, para Sérgio Buarque, um conjunto de relações que configuram um grupo social particular. Ela sintetiza uma forma de conduta social, nem sempre consciente, que procura frear a modernização da sociedade brasileira e conservar as relações sociais de favorecimento pessoal. A evolução da sociedade brasileira, para esse autor, deve superar essas características e se pautar na busca de uma sociedade civilizada, uma sociedade urbana e cosmopolita que deixe para trás o mundo rural.
A Sociologia de Sérgio Buarque examina, com base na análise da sociedade brasileira, a ligação estreita entre o que é público e o que é privado e seus limites. A ausência de delimitações entre essas duas esferas da vida social pode ser observada ainda hoje. O favorecimento teve, assim, uma dinâmica que transcendeu os anos 1930 e se pulverizou juntamente com a modernização da sociedade brasileira, sobretudo no que se refere à burocracia estatal. Vemos casos de desvio de verbas e má administração de dinheiro público, nepotismo e corrupção, ao longo de todo o século XX e começo do século XXI. Nesse sentido, a obra de Sérgio Buarque de Holanda se situa como leitura fundamental para entender o processo histórico-social brasileiro.
Caio Prado Júnior, por sua vez, tem como objetivo caracterizar em que medida a formação do Brasil está atrelada ao contexto de expansão do mercado europeu. A análise que desenvolve no livro Formação do Brasil contemporâneo parte da metodologia marxista, sobretudo no que diz respeito à compreensão do que estaria oculto no processo de colonização da sociedade brasileira. Sua análise busca identificar os elementos estruturais que compuseram o Brasil colonial. Para esse autor, a colonização do Brasil e suas consequências históricas devem ser pensadas a partir da ideia que o Brasil se integrou a uma dinâmica maior, diretamente relacionada à expansão marítima e comercial europeia.
O empreendimento comercial baseado na produção de gêneros tropicais para o mercado externo fundamenta o raciocínio de Caio Prado Júnior, uma vez que a colonização europeia assume a forma de exploração e não de povoamento no Brasil. A formação da sociedade brasileira, no período colonial, se estruturou economicamente na produção de açúcar, tabaco, e mais tarde na extração de ouro e diamantes, em seguida na produção de algodão e de café, atendendo o mercado europeu. Para o autor, a grande propriedade (o latifúndio), a monocultura e o trabalho escravo se apresentam, portanto, como as três características centrais da formação social do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII.
A produção agrária, que tinha como centro geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos objetivos comerciais europeus. A figura que predominou nesse período não foi a do pequeno produtor rural, mas sim a do empresário explorador, o empresário de um grande negócio. Esse quadro histórico, essa herança, é destacada por Caio Prado quando se propõe analisar a passagem da colônia para a nação. Para ele, é necessário entender a nação a partir da colônia, observando essa transformação como um processo histórico de longa duração.
A análise que Caio Prado faz do século XIX mostra-se importante sobretudo por dois motivos. Primeiro porque faz um “balanço final” de três séculos de colonização, depois porque se configura como “chave insubstituível” para compreender a sociedade brasileira que se constitui posteriormente. Essa análise nos informa quão importante é analisar o passado colonial e o período imperial para entender o Brasil contemporâneo e a presença de resquícios coloniais que contribuem decisivamente para que esse autor considere a formação do país ainda incompleta.
Essa incompletude se deve, na visão de Caio Prado, à permanência do Brasil em uma relação de subordinação e dependência em relação a outras sociedades. Segundo esse autor, o passado colonial ainda está presente na sociedade brasileira quando ele observa que o trabalho livre não se organizou em todo o país, conservando traços do trabalho escravo. O mesmo raciocínio valeria para a produção extensiva destinada a atender os mercados no exterior e a ausência de um mercado interno desenvolvido, que reproduz, assim, a subordinação do Brasil em relação a economias de outros países.
Cabe-nos contextualizar o pensamento de Caio Prado, que se alinhava aos estudos historiográficos de seu tempo. Nas últimas décadas, estudos históricos têm destacado a dinâmica econômica colonial, a diversidade de atividades econômicas voltadas para o mercado interno e a importância dos pequenos produtores para o desenvolvimento social e econômico do território durante o período colonial.
Atividade
5º) Sergio Buarque se fundamentou nos tipos ideais de Weber para sintetizar a cultura brasileira. De um lado, ele assinala a modernização da sociedade brasileira, de outro, o conservadorismo que tenta bloquear essa modernização. Como seria o tipo ideal de pessoa nesta sociedade?
a) Homem cordial.
b) Pessoa altamente crítica.
c) Pessoa provida de capacidade lógica.
d) homem capaz de promover as mudanças necessárias.
6º) A cordialidade sintetiza uma forma de conduta social e é um conjunto de relações que configuram um grupo particular, nem sempre consciente. O que esse tipo de conduta social tenta frear?
a) A modernização da sociedade brasileira e conservar as relações sociais de favorecimento pessoal.
b) o atraso da sociedade brasileira e acabar com as relações sociais de favorecimento pessoal.
c) As injustiças que acontecem em território nacional.
d) As troca de favores políticos entre eleitores e candidatos.
7º) Segundo Caio Prado Júnior, a formação do Brasil está atrelada ao contexto de expansão do mercado europeu. Para esse autor, a colonização do Brasil e suas consequências históricas devem ser pensadas a partir da ideia que o Brasil se integrou a uma dinâmica maior, diretamente relacionada à expansão marítima e comercial europeia. Por que?
a) A produção agrária, que tinha como centro geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos objetivos comerciais europeus.
b) A produção industrial era comercializada com os europeus.
c) O Brasil não exporta produtos agrícolas.
d) Só viemos a exportar produtos agropecuário no século XX.
Sociologia hoje (171 - 173): volume único: ensino médio /Igor José de Renó Machado… [et al.]. – 1. ed. –São Paulo: Ática, 2013.