Antes de tudo é necessário definir o que é uma produção “contemporânea”. O termo admite leituras bem flexíveis e pode remeter a momentos distintos no tempo. De forma geral, não falaremos de uma produção datada no tempo — como a Antropologia que se fez a partir da década de 1970. Embora essa seja uma referência importante, vamos privilegiar aqui certas questões relevantes para o pensamento antropológico que não perderam sua atualidade e têm sido continuamente debatidas, relidas, refeitas. Ou seja, trataremos de textos que, embora não tão recentes, podem ser considerados contemporâneos por sua pertinência.
Nos capítulos anteriores, em vários momentos levantamos questões relativas à Antropologia contemporânea. No capítulo 2, ao falar de cultura, entramos no debate contemporâneo da autoridade etnográfica e discutimos algumas tendências antropológicas recentes, como o pós-modernismo e o pós-colonialismo. No capítulo 3, a discussão sobre etnicidade e identidade também faz parte da Antropologia contemporânea.
O conceito de cultura está na confluência entre “antropologia interpretativa” e “antropologia simbólica”. O primeiro termo se refere principalmente à antropologia do norte-americano Clifford Geertz, para quem a cultura é algo que se pode ler e interpretar. Qualquer descrição antropológica é, portanto, uma interpretação do antropólogo sobre a cultura que estuda. Mas essa interpretação é sempre de segunda mão, pois o antropólogo interpreta aquilo que o nativo já interpretou sobre sua própria cultura. A perspectiva de Geertz, centrada na metáfora do texto, teve grande importância na antropologia norte-americana e influenciou vários antropólogos brasileiros.
Como vimos no capítulo 2, Geertz vê a cultura como um conjunto de códigos simbólicos que organizam a experiência humana no mundo. Esses códigos são como programas de computador que dão instruções para a vida das pessoas. Essa noção simbólica não se restringe ao trabalho de Geertz; autores como David Schneider e Marshall Sahlins também elaboraram conceitos de cultura eminentemente simbólicos e são considerados precursores de uma “antropologia simbólica” ou “antropologia cognitiva”.
A antropologia interpretativa de Geertz gerou um movimento intelectual chamado de pós-modernismo em Antropologia. A partir do trabalho de alunos de Geertz, a metáfora do texto foi radicalizada e os antropólogos começaram a pensar na possibilidade de fazer uma análise textual das sociedades, já que tudo o que o antropólogo produz pode ser considerado texto (uma tese, um artigo, um livro), e esse texto pode ser analisado e interpretado. Esse movimento se traduziu por uma análise minuciosa dos textos antropológicos, análise que incorporava elementos da crítica literária. O principal elemento era a tentativa de identificar nos textos “verdades” escondidas, inconscientes, as quais seriam pressupostos (aspectos que o autor dava como certos) incorporados à análise.
O principal pressuposto criticado nas etnografias clássicas (descrições dos antropólogos sobre outras sociedades) foi a noção de “autoridade”. Para a crítica pós-moderna, o fato de o antropólogo descrever outras populações sem dar voz aos nativos dessas sociedades indicava uma posição autoritária. Essa atitude ficou conhecida como “autoridade etnográfica”, isto é, descrever populações que não tinham como contestar essa descrição. Essa questão gerou muita polêmica, e os antropólogos passaram a se perguntar como seria possível descrever o “outro” sem cair numa visão autoritária. Várias respostas foram dadas, desde as que desacreditavam a Antropologia por considerá-la fundamentalmente autoritária até as que afirmavam que de fato não era possível produzir conhecimento sobre o outro sem algum tipo de autoridade etnográfica, o que, contudo, não inviabilizava a Antropologia como ciência.
Na história recente da Antropologia, o pós-modernismo deu origem ao pós-colonialismo, uma variação das mesmas questões levantadas pelo pós-modernismo. Entretanto, no pós-colonialismo, aquilo que parecia apenas autoritário foi pensado como resultado de um sistema de poder, uma herança do colonialismo. Segundo os pós-colonialistas, a Antropologia estava cheia de preconceitos “coloniais” que precisavam ser abandonados. Produzido por intelectuais de países que haviam sido colonizados (como a Índia), o pós-colonialismo trouxe à tona um ponto de vista não hegemônico. Isso forçou muitos antropólogos dos países “centrais” a considerar novos pontos de vista e significou o princípio da construção de uma antropologia mundial não hegemônica.
A discussão sobre etnicidade e identidade também pode ser considerada contemporânea, pois, além de temporalmente recente, levanta questões ainda muito relevantes. As dinâmicas migratórias no mundo contemporâneo e as dinâmicas identitárias baseadas em orientação sexual são alguns exemplos, entre muitos outros. Os conceitos de etnicidade e identidade têm sido instrumentos para pensar muitas situações do mundo contemporâneo, como a produção sistemática de estereótipos sobre populações do Oriente, o lugar do consumo na constituição de identidades contemporâneas e até mesmo certas formas assumidas pela Antropologia no século XX.
Atividade
1º) Para a Sociologia,
cultura é tudo aquilo que resulta da criação humana. São ideias, artefatos,
costumes, leis, crenças morais, conhecimento, adquirido a partir do convívio
social. Em tal contexto é possível afirmar que:
a) Quem
existem pessoas sem cultura alguma.
b) Que a
cultura não pode ser considerada um conjunto de códigos simbólicos.
c) Que a
cultura pode ser vista como um conjunto de códigos simbólicos.
d) Que a cultura não se
relacionar com determinado meio social.
2º) O principal pressuposto
criticado nas etnografias clássicas pelos sociólogos (descrições dos antropólogos
sobre outras sociedades) foi a noção de “autoridade”. Por que para a crítica pós-moderna
essa noção não é correta?
a) Descrever populações que
não tinham como contestar essa descrição.
b) Descreve as populações
dando o direito delas contestarem tal descrição.
c) É uma auto descrição da
população em questão.
d) Não podemos levar em consideração
as colocações de terceiro.
3º) O conceito de cultura está
na confluência entre “antropologia interpretativa” e “antropologia simbólica”.
O primeiro termo se refere principalmente à antropologia interpretativa.
Qualquer descrição antropológica é, portanto, uma interpretação do antropólogo
sobre a cultura que estuda. Neste contexto, por que ela é sempre de segunda
mão?
a) Antropólogo interpreta aquilo
que o nativo já interpretou sobre sua própria cultura.
b) Antropólogo escreve sobre a
cultura sem a participação de nativo.
c) A possibilidade de
interpretação sociológica é mínima.
d) Porque a sociologia é
apenas descritiva.
Sociologia hoje (93 - 94): volume único: ensino médio /Igor José de Renó Machado… [et al.]. – 1. ed. –São Paulo: Ática, 2013.