O poder
O poder é a possibilidade de impor a vontade e, quando é só imposta não consegue se estabelecer por muito tempo, descobrimos que aqueles que obedecem precisam de motivos para obedecer. Esses motivos são muito mais complexos do que o medo da violência: a dominação, para ser bem-sucedida, precisa respeitar as tradições dos dominados, ou precisa oferecer-lhes a inspiração e o entusiasmo que uma grande liderança é capaz de produzir, ou precisa garantir a ordem segundo os princípios da lei. Ou talvez precise oferecer as três coisas, ou ainda outras que Weber não listou.
No final da história, os dominados não se limitam a obedecer; eles têm valores, expectativas e exigências que impõem limites a quem exerce o poder. O político que resolver ignorar completamente a questão “afinal, por que essas pessoas me obedecem? ”, corre o risco de descobrir que, com o tempo, elas podem parar de obedecer.
O Estado
Boa parte dos trabalhos de Ciência Política estuda o Estado. A definição de Estado mais utilizada pelos especialistas também foi formulada por Max Weber, e diz o seguinte: o Estado é o monopólio da violência legítima em um determinado território. Em outras palavras: o Estado tenta ser a única instituição à qual a população reconhece, em determinadas ocasiões, o direito de praticar a violência. A população aceita essa situação por diferentes motivos, que variam de sociedade para sociedade. Vamos discutir em separado cada parte da definição de Estado.
Monopólio é uma palavra emprestada da economia e descreve uma empresa que é a única vendedora de certo produto. Quando afirma que o Estado tenta ser um monopólio da violência legítima em determinado território, Weber está dizendo que o Estado tenta se tornar a única instituição capaz de praticar a violência legítima naquele território.
Mas o que é a violência “legítima”? Para compreender o que é a violência legítima, pense na seguinte situação: você está vendo, na TV, imagens de um conflito entre polícia e criminosos. Os dois lados estão praticando violência, um está atirando no outro. Mas, para você, o que cada um está fazendo não é a mesma coisa. Você provavelmente acha que a polícia tem mais direito de atirar nos criminosos do que os criminosos têm de atirar na polícia. Você acha que, em circunstâncias como aquela, a polícia tem o direito de praticar a violência; os criminosos, não. Em outras palavras, você considera que a violência praticada pela polícia no cumprimento da lei é legítima.
A violência não é, evidentemente, o único instrumento de que se vale o Estado — não haja a respeito qualquer dúvida —, mas é seu instrumento específico. Em nossos dias, a relação entre o Estado e a violência é particularmente íntima. Em todos os tempos, os agrupamentos políticos mais diversos — a começar pela família — recorreram à violência física, tendo-a como instrumento normal de poder. Em nossa época, entretanto, devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território — a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado — reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física.
Por que achamos que a violência da polícia contra os criminosos é legítima? Porque, em geral, ela é praticada para fazer cumprir a lei. O valor que damos à lei se deve ao fato de que, nas sociedades modernas (como a nossa), predomina a forma de dominação racional-legal, que explicamos no item anterior: para nós, o que vale é a lei. Quando vemos policiais cometerem violência sem cumprir a lei (por exemplo, matando um inocente), nos revoltamos contra eles. A violência da polícia só é legítima quando é praticada conforme a lei.
Mas é preciso ter em mente uma coisa muito importante: os Estados modernos (brasileiro, norte-americano, francês, etc.) não se formaram porque seus fundadores desejavam proporcionar bem-estar à população, respeitar a tradição, garantir o respeito à lei, ou porque desejassem ser “modernos”. Vamos mostrar aqui como esse processo está relacionado com nossa discussão sobre o monopólio da violência e sobre como os que dominam também dependem dos dominados.
Começamos este capítulo com o exemplo do poder que o assaltante armado exerce sobre sua vítima. Em seus estudos sobre a formação dos Estados modernos, o cientista político e historiador norte-americano Charles Tilly (1929-2008) destaca que, quando surgiram, os Estados modernos não eram muito diferentes de quadrilhas criminosas que, para não agredir o povo, cobravam dele.
Os Estados modernos começaram a se formar no final da Idade Média, na Europa, sob a liderança de governantes (em geral, reis) que cobravam impostos do povo pela força, controlavam exércitos e conseguiam conquistar territórios por meio da guerra — como, aliás, acontece até hoje.
O interesse básico desses governantes era explorar os povos conquistados (além, é claro, do povo que já exploravam antes). Para isso, era necessário destruir os governantes adversários. Quando conquistavam novos territórios, podiam explorar mais gente e financiar mais guerras. Na origem do Estado está a guerra, e nem sempre era clara a diferença entre guerra e crime: muitos Estados financiaram piratas, por exemplo, que passavam a ser denominados corsários quando contavam com a proteção de governantes.
Para conseguir recursos a fim de financiar seus exércitos, os fundadores dos novos Estados europeus perceberam que valia a pena se aliar a certos setores da sociedade. Exércitos poderosos custam caro. Os Estados europeus logo descobriram a vantagem de tomar dinheiro emprestado para financiar suas guerras. Quem emprestava esse dinheiro eram os banqueiros e comerciantes, que integravam uma camada social em ascensão: a burguesia.
Os reis que conseguiram acumular riqueza e formar exércitos poderosos conseguiram também enfrentar os nobres, que tinham seus próprios exércitos. Segundo Charles Tilly, o desarmamento da nobreza europeia foi um longo processo, que levou à eliminação dos exércitos particulares dos nobres e, muitas vezes, à destruição de suas fortalezas e seus castelos. Quando conseguiram desarmar os nobres, os reis passaram a ter o monopólio da violência em seus territórios, em um processo de concentração de poder. Mas o que tiveram de fazer para que essa violência fosse considerada legítima?
Enquanto iam ficando mais fortes e derrotando os nobres, os reis aos poucos foram forçados a fazer concessões aos burgueses, que lhes emprestavam dinheiro, e ao povo, que lutava em seus exércitos. Para satisfazer a burguesia, tiveram que fazer leis que incentivavam o comércio e a indústria, e deixar de interferir na atividade econômica. Para evitar que o povo se rebelasse, tiveram de ceder cada vez mais direitos à população — por exemplo, ajudando no sustento das viúvas de soldados que morriam nas
guerras. Também tiveram de aceitar limites sobre seu poder: o Estado foi
“domesticado” por meio de leis e da criação de parlamentos, além de ser
enfrentado com a ameaça de revolução quando não era capaz de se adaptar aos
novos tempos.
Para entender melhor esse jogo de confrontos e
negociações, uma boa dica é ler seu livro de História pensando nos problemas
que discutimos aqui. As revoluções, por exemplo, podem ser vistas como grandes
esforços para obrigar o Estado a satisfazer as exigências de legitimidade dos
cidadãos. No próximo item, vamos analisar um aspecto importante da história
destas lutas: a história das ideias sobre o Estado.
Atividade
1º) Boa parte dos trabalhos de Ciência Política estuda o Estado. A definição de Estado mais utilizada pelos especialistas também foi formulada por Max Weber, e diz o seguinte:
a) O Estado é o monopólio da violência legítima em um determinado território.
b) O Estado não faz uso da violência em um determinado território.
c) O Estado é apenas um determinado território.
d) O Estado não permite o uso de poder político em suas dependências.
2º) Geralmente, achamos que a violência da polícia contra os criminosos é legítima. Por que?
a) Porque, em geral, ela é praticada para fazer cumprir a lei;
b) Porque temos raiva de determinados grupos de pessoas;
c) Os ricos não vão presos no Brasil;
d) Porque nas sociedades modernas não predomina a forma de dominação racional-legal.
3º) Os Estados modernos começaram a se formar no final da Idade Média, na Europa, sob a liderança de governantes (em geral, reis). Tinham como interesse básico de seus governantes:
a) Promover o bem-estar dos povos conquistados;
b) A paz entre as nações;
c) explorar mais gente e financiar mais guerras;
d) Acabar com a exploração em nações pobres.
Fonte: Sociologia hoje: volume único: ensino médio /Igor José de Renó Machado… [et al.]. – 1. ed. –São Paulo: Ática, 2013