29 de ago. de 2020

O significado de Cultura no Século XX (Atividade IV do 2º ano)

            Cultura é conceito utilizado pela Antropologia, ciência que faz parte da grade curricular da Sociologia e visa descrever as sociedades humanas a partir de sua produção artística, modo de ser e de pensar do povo, indo das mais elementares formas de organização social até as mais complexas.
            O sentido de cultura é amplo. O que nos interessa aqui é saber que a cultura corresponde a um conjunto de hábitos, crenças e conhecimentos de um povo ou um determinado grupo artístico (literário, dramatúrgico, musical, derivado das artes plásticas etc.) que cultiva, de algum modo, um padrão estético semelhante.
           Em virtude da variedade de significados dessa palavra derivada do latim que deu origem tanto a expressões de cuidado e cultivo quanto a expressões que designam conjuntos de conhecimentos e hábitos de determinadas sociedades, é difícil realizar o seu esgotamento conceitual.               
            Podemos designar, com a palavra cultura, o cultivo de vegetais (a cultura de tomates ou o cultivo de tomates), o cultivo do conhecimento humano alcançado pela racionalidade e pelo senso estético (quando nos referimos a uma pessoa culta, justificando que ela é letrada, erudita, que conhece vários idiomas ou é conhecedora de arte) e a cultura de um povo, de uma região, de uma nação, que se apresenta em suas diversas facetas: religião, arte, culinária, costumes, conhecimento etc. 
            De todas essas formas a que a palavra cultura pode remeter, a última é a que será tratada neste texto, pois é a que se encaixa no espectro de assuntos estudados pela Antropologia, uma disciplina que surgiu no século XIX, em meio ao surgimento da Sociologia. As duas áreas compõem, junto à Ciência Política e à Economia, o conjunto que forma as chamadas Ciências Sociais.
              
O CONCEITO DE CULTURA NO SÉCULO XX
            Ao longo do século XX, o conceito de cultura foi incorporado ao senso comum. Passou além dos discursos acadêmicos e ganhou espaço em discussões públicas, como as lutas por direitos. A ideia de cultura que prevalece hoje no senso comum deve muito ao pensamento de Boas: um conjunto estável de hábitos, práticas, costumes, tecnologias, etc. No campo teórico da Antropologia, entretanto, esse conceito passou por inúmeras revisões. Um antropólogo, quando fala em cultura, está falando de algo diferente daquilo que o senso comum imagina. Nas Ciências Sociais os conceitos parecem ganhar vida própria e são empregados nas mais diversas situações, em perspectivas muito díspares. Muitas vezes, usando um mesmo termo, como “cultura”, por exemplo, um sociólogo e um cientista político podem estar se referindo a aspectos extremamente diferentes.
             O importante aqui é entender como a Antropologia prosseguiu na reflexão sobre a cultura, a partir dos trabalhos de Boas e seus alunos. Essa continuação ocorreu basicamente nos Estados Unidos, tendo havido algumas reviravoltas e até mesmo críticas severas ao conceito. Logo após a geração dos primeiros alunos de Boas, no pós-Segunda Guerra Mundial, um movimento intelectual liderado por antropólogos como Marvin Harris (1927-2001) e Julian Steward (1902-1972) resgatou uma teoria da evolução que havia sido criticada por Boas. Essa teoria, entretanto, não seguia os termos dos evolucionistas do século XIX. A partir de uma perspectiva marxista, fundada na evolução dos sistemas econômicos (dos mais simples aos mais complexos), Harris e Steward repudiavam o conceito proposto por Boas, considerando que o foco exagerado nas especificidades de cada cultura impedia uma reflexão mais abrangente sobre a humanidade.
            Na década de 1960, uma nova geração de antropólogos trouxe outros significados ao conceito de cultura. Destacam-se nesse momento os trabalhos dos norte-americanos David Schneider (1918-1995), Clifford Geertz (1926-2006) e Marshall Sahlins (1930-), que criticaram o conceito de cultura como um todo integrado e estático. A crítica desses intelectuais se referia às grandes transformações ocorridas no mundo após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em um contexto que incluía mu danças profundas — desde as lutas pela independência em países antes dominados por potências europeias até as revoluções culturais da década de 1960 —, as sociedades observadas pela Antropologia também passavam por transformações que um conceito estático de cultura não dava conta de explicar. 
            Para Schneider, Geertz e Sahlins, a cultura continuava a ser um todo integrado, mas era eminentemente dinâmica, sujeita a mudanças. Nessa visão, a cultura deixa de ser um conjunto de práticas observáveis e passa a configurar um conjunto de códigos simbólicos. Ou seja, é mais semelhante a um código do que a um conjunto de comportamentos: pode ser comparada a um conjunto de regras que é internalizado pelas pessoas desde a infância. Para esses autores, cultura não é o que as pessoas fazem, mas sim o que elas pensam: está presente em todos os indivíduos que vivem em comum, é compartilhada e transmitida como um código permeado pela linguagem e por vários conceitos que a linguagem traz consigo.  
            A ideia de cultura como um código de regras e ordens que está na cabeça das pessoas, e não nos comportamentos, permite muitas possibilidades de pensar a dinâmica e a transformação das culturas. Como já vimos, inicialmente os antropólogos observavam apenas os comportamentos e os consideravam cultura.
            Nesse contexto, quando os comportamentos mudavam, a impressão era que a cultura tinha se “perdido”. Na primeira metade do século XX, era comum os antropólogos lamentarem a “perda” de cultura de várias populações pelo mundo. Isso porque o avanço do sistema econômico ocidental produziu grandes transformações entre sociedades antes isoladas: rituais deixaram de ser realizados, técnicas tradicionais foram abandonadas, crenças nativas foram atropeladas por religiões ocidentais.  
            Tudo isso era considerado pelos antropólogos “perda”, “aculturação” aos valores ocidentais, já que eles entendiam a cultura como a soma dos comportamentos visíveis. Quando a cultura passou a ser vista como um código mental, os comportamentos se tornaram consequência desse sistema, e podem mudar sem comprometer o sistema, organizando novas práticas e inventando novas tradições, embora ainda seguindo certas regras básicas. Resumindo, a cultura não se limita mais a uma série de comportamentos, mas constitui um sistema que organiza a experiência das pessoas na vida, ordenando até mesmo os processos de transformação.
            Quando um costume muda ou uma prática nativa de outra cultura é adotada, isso acontece segundo uma lógica cultural. Pense em um conjunto de rappers brasileiros: embora produzam uma música que não é original do nosso país, eles a utilizam para expressar suas ideias e uma crítica social que se refere ao seu cotidiano. Será que eles são menos brasileiros por se expressarem por meio do rap? Ou será que eles usam o rap para expressar um ponto de vista essencialmente brasileiro, e nesse sentido estariam abrasileirando o rap? Os antropólogos do final do século XX tenderiam a preferir a segunda resposta, tornando o conceito de cultura mais dinâmico. 

Atividade

6º) Ao longo do século XX, o conceito de cultura foi incorporado ao senso comum. Qual é a ideia de cultura que prevalece hoje entre as pessoas comuns?

7º) Para a Antropologia do século XX, a cultura continuava a ser um todo integrado, mas era eminentemente dinâmica e sujeita a mudanças. Como seria a cultura nessa visão?

8º) Por que, na primeira metade do século XX, era comum os antropólogos lamentarem a “perda” de cultura de várias populações pelo mundo? 

Sociologia hoje (55- 56): volume único: ensino médio /Igor José de Renó Machado [et al.]. 1. ed. São Paulo: Ática, 2013.        

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