A VIDA EM SOCIEDADE
As pessoas vivem juntas, ou seja, em sociedade. E os cientistas sociais estão interessados em entender como acontece essa vida em sociedade. Quais são as formas de convivência entre as pessoas? Que relações são fundamentais em uma sociedade? Como funciona uma sociedade? Por que as pessoas, em geral, fazem coisas muito parecidas? Como as sociedades mudam? Por que a vida em sociedade produz diferenças tão grandes entre seus membros? Quais fatores diferenciam grupos ou sociedades? Por que algumas pessoas são exploradas, subjugadas e até mesmo escravizadas?
Essas são apenas algumas questões entre milhares de outras que podem ser levantadas sobre a vida em sociedade.
Você já pensou nisso:
Você é capaz de formular alguma pergunta sobre a vida em sociedade? Se conseguir, saiba que está começando a pensar sociologicamente. Faça esse exercício de reflexão. Questione-se sobre algo muito trivial que, embora pareça natural, possa envolver algo oculto, por exemplo: por que em geral só as mulheres usam saia?
Você vai descobrir que as Ciências Sociais se dedicam a fazer boas perguntas sobre a vida social, sobre o conjunto de relações que as pessoas estabelecem quando vivem juntas. Vai ver também que as respostas são muito variadas, porque as pessoas têm diferentes opiniões, olhares e perspectivas e, portanto, respostas diferentes para as mesmas perguntas. A primeira coisa que importa saber sobre a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política é que os diferentes estudiosos que elaboram essas ciências a partir de critérios diversos nem sempre concordam em suas ideias e opiniões. Este é um indício da complexidade do mundo social.
Mas como as Ciências Sociais avançam sem consenso entre seus cientistas? O fato é que elas progridem em diversas “linhagens”: quando um conjunto de estudiosos desenvolve uma perspectiva, nasce uma escola de pensamento, que ganha seguidores e se constitui em uma nova teoria. As novas teorias são testadas por seus seguidores e críticos, e novas perspectivas geram outros conjuntos de seguidores, que compartilham das mesmas tendências no modo de observar o mundo social. Entretanto, as teorias e suas linhagens não são estáticas: elas mudam com o tempo, de acordo com novas críticas e novas perspectivas.
Como você vê, as Ciências Sociais se estruturam de modo tão complexo quanto seu objeto de estudo, a sociedade. Mas esse emaranhado de perspectivas e teorias pode ser sistematizado. O propósito deste livro é justamente levar você para esse mundo, oferecendo um mapa das principais questões e formas de lidar com elas.
Mas então, o que é mesmo sociedade? Sociedade é um conjunto de pessoas, de tamanho variável, imensamente complexo, mesmo quando é um conjunto pequeno, caracterizado por múltiplas normas, regras e conflitos. As regras e normas nem sempre são explícitas, ou seja, nem sempre são ditas ou admitidas de forma clara. Muitas vezes as pessoas nem se dão conta de que estão seguindo certas regras. Por exemplo, em nossa sociedade é raro que os homens usem saias. Entretanto, não há nenhuma regra escrita que os impeça de usar; essa é uma regra implícita, ou seja, subentende-se que os homens não usam saias. Essa “norma” não é natural, mas sim determinada por razões culturais, históricas etc.
Você já pensou nisso:
Você se lembra de alguma norma ou regra, explícita ou implícita, que favoreça um grupo próximo de você? Por exemplo, de que maneira o fato de o trabalho doméstico ter sido destinado predominantemente às mulheres (ou visto como uma função feminina) resultou em mais tempo livre para os homens? Por que esse entendimento exemplifica uma questão de poder e de favorecimento de um grupo sobre outro?
Os cientistas sociais sabem que as regras e normas de uma sociedade não são neutras; elas tendem a favorecer determinados grupos. Um dos principais efeitos das regras e normas é a concentração de poder, que gera recursos e benefícios para determinados grupos de pessoas. A Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política têm se dedicado a entender esses processos.
Entretanto, a sociedade vai muito além de normas, regras e concentração de poder. A convivência social dá sentido ao cotidiano das pessoas, criando desejos que muitas vezes tomamos como individuais, mas que na verdade são sociais. O desejo de consumir, por exemplo, é incentivado por uma sociedade organizada para a produção de bens em larga escala, como o capitalismo, que depende de consumidores para seus bens. Ou seja: os membros de uma sociedade capitalista precisam aprender a consumir! Se você levar a sério as Ciências Sociais, passará a ver de outra forma as propagandas comerciais.
Um dos objetivos das Ciências Sociais é justamente desenvolver o pensamento crítico. Quando olhamos para a sociedade e fazemos determinados questionamentos, as respostas nos revelam aspectos que até então não eram evidentes. Podemos chamar essas descobertas de pensamento crítico, ou seja, a capacidade de desvendar mecanismos que, embora operem como se fossem naturais, nada têm de naturais. Você pode achar que seu desejo de comprar aquele par de tênis especial é natural; que esse desejo não precisa de explicação. Mas as perguntas de um cientista social desestabilizam essa sensação. Por que uma pessoa deseja alguma coisa? Por que tantas pessoas desejam certas coisas? Por que todo mundo ao seu redor deseja algum bem? Por que isso é tão fundamental? Perguntas tão simples como essas exigem respostas que podem explicar os fundamentos de uma sociedade.
Esse processo de reflexão, característico das Ciências Sociais, resulta no que chamamos de “desnaturalização” do mundo. Nada é simplesmente natural no mundo social, tudo na sociedade é construído e passível de ser explicado e entendido, desde que as perguntas adequadas sejam feitas. As Ciências Sociais, portanto, se dedicam a desnaturalizar o mundo social e encontrar explicações do porquê de as coisas existirem como tal.
Tomemos o exemplo do trabalho doméstico para entender melhor o que significa “desnaturalizar”. Para muitas pessoas, o trabalho doméstico deve ser feito principalmente pelas mulheres, e essa atribuição lhes parece ser algo natural. Essas pessoas acreditavam que era da ordem das coisas que as mulheres trabalhassem enquanto os homens assistiam ao futebol na televisão. Ou que as mulheres cuidassem da casa e das crianças enquanto os homens trabalhavam fora para sustentar a família. Muitas mulheres, entretanto, insatisfeitas com essas diferenças, começaram a se perguntar por que as coisas eram assim. Esse questionamento levou à constatação de que a sociedade tem se organizado em termos que favorecem os homens (maiores salários, mais tempo livre, menos compromisso com a educação dos filhos etc.). Assim, a pergunta levou à desnaturalização desses papéis atribuídos às mulheres: é uma condição social estabelecida pela desigualdade de poder que gera a desvalorização e maior exploração do trabalho da mulher em nossa sociedade, ou seja, não é uma condição “natural”. As perguntas certas provocaram um olhar crítico sobre aquilo que parecia natural. Desde fins do século XIX, o movimento feminista tem levantado essas e outras questões, buscando mudar relações desiguais.
Vimos, assim, que a sociedade produz desejos, vontades, aspirações. As Ciências Sociais buscam entender como se dá esse processo, como ele opera e como diferentes sociedades produzem diferentes conjuntos de necessidades entre seus membros.
Muito mais do que um conjunto de normas e regras, a sociedade é também espaço de conflitos, tensões e desavenças. Grupos em busca de privilégios, grupos que lutam contra a opressão, disputas religiosas, tudo isso faz parte da vida em sociedade. De um lado, massacres, discriminações sistemáticas, falta de liberdade, pobreza extrema, escravidão. De outro, o talento de um músico, a destreza de um esportista, a genialidade de um pintor, a sensibilidade de um poeta, a imaginação de um cientista, entre tantas outras manifestações do espírito humano. Essa incrível variedade da experiência humana em sociedade é alvo da atenção dos cientistas sociais.
A ciência social é uma ferramenta para entender melhor o mundo, mas exige de quem quer conhecê-la disposição para escutar o que as pessoas dizem. Um cientista social deve estar preparado para enfrentar questões polêmicas, sobre as quais pode ter opiniões muito diversas daquelas das pessoas com quem lida ou mesmo das de outros intelectuais. Com suas perguntas e seus métodos, o cientista social busca dar sentido a experiências distintas e dialogar com ideias e fatos dos quais muitas vezes discorda. Um exemplo: muitos intelectuais tentam entender como funcionam os governos totalitários, mas isso não significa que eles apoiam as ações desses governos.
O meio para alcançar essa suspensão temporária de julgamento é recorrer ao método e à teoria. Com esses instrumentos, o cientista social procura “olhar por cima” de seus valores pessoais e fazer a análise o mais imparcial possível dos fenômenos sociais. Embora subjetiva, uma boa análise social precisa superar as dificuldades que os próprios valores do cientista impõem. Esse processo é fundamental para o desenvolvimento de um pensamento crítico.
Atividade1º) Por que estamos contribuindo para tornar a sociedade mais violenta quando consumimos drogas ilícitas?
2º) Por que as respostas para as mesmas perguntas podem ser diferentes dependendo de quem responde?
3º) Como ato social podemos citar ações individuais ou coletivas que envolvem a sociedade. Dê exemplo de ato social em nossa sociedade.