Direitos de todos, das mulheres, dos negros, das crianças, dos adolescentes, do consumidor, dos idosos... Há várias leis e decretos que os traduzem. Mas de que adianta haver tantas leis e decretos que não são respeitados? Os direitos básicos dos cidadãos devem ser garantidos pelo Estado. Vamos ver como a relação entre direitos e cidadania foi tratada na história das sociedades.
Alguns povos da Antiguidade — como os babilônios, com o Código de Hamurabi, no século XVIII a.C., e os gregos de Atenas, com as leis de Clístenes, do século VI a.C. — tiveram suas normas e leis registradas por escrito. As leis babilônicas reforçavam o poder do Estado e as atenienses definiam as instituições da democracia. Nenhuma delas tratava dos direitos humanos, cuja história é bem mais recente.
Foi somente a partir do século XIII, na Inglaterra, que se criaram as primeiras cartas e estatutos que asseguravam alguns desses direitos: a Magna Carta (12151225), por exemplo, que protegia apenas os homens livres, e a Petition of Rights (1628), que requeria o reconhecimento de direitos e liberdades para os súditos do rei. A mais importante das “cartas de direitos”, porém, foi a Bill of Rights (1689), que submetia a monarquia à soberania popular, transformando essa numa monarquia constitucional. Cabe destacar ainda o Act of Settlement (1707), que completava o conjunto de limitações ao poder monárquico, e o Habeas Corpus Amendment Act (1769), que anulava as prisões arbitrárias. Todos esses atos eram dirigidos apenas às pessoas nascidas na Inglaterra. Eram leis para um só país.
No século XVIII, quando as colônias inglesas da América do Norte se tornaram independentes, foram criados alguns documentos importantes, como a Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e a Constituição de 1787. Nesse mesmo ano, foram ratificadas as dez primeiras emendas à Constituição estadunidense, que determinavam com clareza os limites do Estado e definiam os campos em que a liberdade devia ser estendida aos cidadãos. Embora as emendas garantissem liberdade de culto, de palavra, de imprensa e de reuniões pacíficas, ainda promoviam a distinção entre os seres humanos, já que não aboliram a escravidão
Direito para todos
Com a Revolução Francesa (1789), os direitos baseados nos princípios da liberdade e da igualdade foram declarados universais, ou seja, válidos para todos os habitantes do planeta. Entretanto, esses direitos, expressos na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembleia Nacional francesa, não se estendiam às mulheres. Embora não seja muito citado nos livros de História, é sempre bom lembrar o caso de Olympe de Gouges (1748-1793), ativista e dramaturga francesa que, em 1791, propôs uma declaração dos direitos da mulher e acabou na guilhotina.
Os documentos originados da Revolução Francesa e da independência dos Estados Unidos são a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1948. Fortemente influenciada pelo horror e pela violência da primeira metade do século, sobretudo pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estendeu a liberdade e a igualdade de direitos, até nos campos econômico, social e cultural, a todos os seres humanos.
De acordo com essa concepção universalista, os direitos humanos estão acima de qualquer poder existente, seja do Estado, seja dos governantes. Em caso de violação, os responsáveis devem ser punidos.
Todos nascem livres..., mas nem tanto
Com diferentes interpretações, muitos pensadores defenderam a ideia de que os seres humanos nascem livres e iguais, e têm garantidos determinados direitos inalienáveis.
De acordo com o pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), os seres humanos são naturalmente iguais e, por terem excessiva liberdade, lutam uns contra os outros na defesa de interesses individuais, havendo a necessidade de um acordo (que ele chamava de contrato) entre as pessoas, a fim de que não se matem. Para evitar a autodestruição, todos os membros da sociedade deveriam renunciar à liberdade e dar ao Estado o direito de agir em seu nome e coibir todos os excessos.
Segundo John Locke (1632-1704), também inglês, somente os homens livres e iguais podem fazer um pacto com o objetivo de estabelecer uma sociedade política. Homens livres e iguais são aqueles que têm alguma propriedade a zelar. A propriedade, nessa perspectiva, torna-se o elemento fundamental da sociedade capitalista, ou seja, está acima de todos os demais, já que é o paradigma que define, inclusive, a liberdade dos indivíduos. Aqui já aparece a ideia de que nem todos são iguais desde o nascimento.
Para o pensador francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778), a igualdade só tem sentido se for baseada na liberdade, mas, segundo sua definição, a igualdade só pode ser jurídica. A lei deve ser o parâmetro da igualdade: “todos devem ser iguais perante a lei”.
Ora, no final do século XVIII e mais claramente no século XIX, a sociedade europeia estruturava-se desigualmente, e as diferenças entre as classes já eram evidentes. Ao propor a igualdade de todos perante a lei, criava-se um direito igual para desiguais. Em outras palavras, as pessoas não eram iguais porque nasciam iguais e livres, mas porque tinham direitos iguais perante a lei, feita por quem dominava a sociedade.
A igualdade total apregoada por muitos era realmente a mais grave ameaça aos privilégios sociais da burguesia e da aristocracia, que se mantinham no poder. Discutia-se se a liberdade e a igualdade poderiam conviver ou se eram uma antítese insuperável, sendo necessário escolher entre elas. Como a sociedade capitalista funciona e se desenvolve movida pela desigualdade, a liberdade foi apregoada como o maior valor, deixando-se a igualdade de lado.
Para Karl Marx, o trabalhador, como membro de uma classe, não se identificaria como cidadão, que seria somente a representação burguesa do indivíduo. A ideia de democracia passaria pelo critério da igualdade social que só uma revolução social poderia tornar realidade. Mas, recentemente, alguns marxistas afirmaram que a democracia burguesa poderia abrir caminho para uma igualdade formal e espaços de liberdade, além de ser um meio para que o trabalhador, ao lutar por seus direitos e liberdades democráticos, pudesse construir uma sociedade socialista.
Para Émile Durkheim, a ideia de cidadania está vinculada à questão da coesão social estabelecida com base na solidariedade orgânica, que é gerada pela divisão do trabalho e se expressa no direito civil. Assim, quando o indivíduo desempenha diferentes funções sociais, está integrado numa sociedade que se apresenta como um organismo estruturado. Seu papel como cidadão é cumprir suas obrigações e desenvolver uma prática social que vise à maior integração possível. Ao participar da solidariedade social, levando em conta as leis e a moral vigentes em uma sociedade, o indivíduo desenvolve plenamente sua cidadania.
Fonte – Tomazi, Nelson Dacio. Sociologia para o ensino médio capitulo 14 – 2 e.d. – Saraiva, 2010.