O sistema capitalista ou
economia de mercado gerou prosperidade em nível e velocidade sem precedentes
nos últimos 150 anos, mas levou tempo para chegar a esse estágio. Tal
realização tem sido um processo de construção continuada ao longo dos 10 000
anos conhecidos da História. Curiosamente, o termo capitalismo apareceu somente
no século XIX em textos de dois de seus críticos, Émile Durkheim e Karl Marx.
Era o comércio, isto é, o
mercado, que na Antiguidade movia a economia da Babilônia, do Egito e dos fenícios.
Quando Jesus Cristo expulsou os vendilhões do templo, eles praticavam um
capitalismo primário. As transformações ocorreram lentamente. Um operário
inglês do século XVIII tinha expectativa de vida semelhante à de um soldado do
Império Romano e renda per capita parecida.
Os avanços institucionais
que nos trariam até aqui tiveram início no século XIII com a Magna Carta
inglesa (1215), o mais importante acontecimento político da era feudal.
Cansados dos impostos para financiar guerras, os barões impuseram ao rei João
Sem Terra regras que limitaram seus poderes. A criação de tributos exigiria o
consentimento da assembleia dos nobres, o futuro Parlamento.
Do Tratado de Westfália
(1648), que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, nasceram a moderna diplomacia e
o Estado-nação, o qual viria a moldar, no futuro, instituições favoráveis à
expansão capitalista. A descentralização do ambiente político viria a criar a
democracia representativa. O império das leis, e não dos homens, se tornaria a
norma política e jurídica, de que depende o bom funcionamento do capitalismo.
“O Brasil
construiu instituições básicas do capitalismo, mas a sociedade ainda não
assimilou todos os princípios da ordem liberal, a fonte do êxito capitalista”
A Revolução Gloriosa
inglesa (1688) transferiu o poder supremo para o Parlamento. O rei perdeu
também o poder de demitir juízes. O Judiciário tornou-se independente e capaz
de garantir direitos de propriedade e respeito aos contratos, dois pilares
fundamentais da economia de mercado. A Revolução foi influenciada pelas ideias
do Iluminismo e pela ascensão de uma nova classe, que mais tarde Marx
denominaria “burguesia” e que hoje chamaríamos de “empresários” .
Criou-se o Banco da
Inglaterra (1694), que havia sido precedido pela disseminação do uso da letra
de câmbio e do método das partidas dobradas. Este possibilitaria o levantamento
de balanços contábeis e o nascimento da pessoa jurídica, o berço da empresa dos
nossos dias. Surgiu o crédito a empresas e estabeleceu-se a sociedade de
responsabilidade limitada. Quem nela investisse arriscava somente o valor
aplicado, e não o patrimônio. Nascia o mercado de ações.
A Lei de Patentes inglesa
(1624) estimulou a febre de invenções do século XVIII, que desaguaria na
máquina a vapor e na Revolução Industrial. Antes, a máquina de tipos móveis,
inventada por Gutenberg, produzira o primeiro livro impresso, a Bíblia (1455).
A leitura em massa e a imprensa reforçariam a democracia e contribuiriam para o
crescimento econômico. O capitalismo se acelerou. Em livro memorável, “A
Riqueza das Nações” (1776), Adam Smith enfatizou o mercado, a competição e a
divisão do trabalho como fontes da produtividade e da expansão econômica. A
obra lançou os alicerces da moderna teoria econômica.
No século XIX, surgiram,
inicialmente na Alemanha, universidades dedicadas à pesquisa, inclusive de
novos materiais e processos industriais. Lá, descobriu-se que as plantas se
nutrem de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), que poderiam ser sintetizados
para produzir fertilizantes. Era a Revolução Agrícola.
No pós-guerra, percebeu-se
o papel das instituições no desenvolvimento capitalista. Elas são, no dizer de
Douglass North, as regras do jogo, formais e informais, que constituem o
ambiente para investir, assumir riscos e gerar prosperidade. Nelas se incluem a
imprensa, os mercados e as crenças da sociedade.
Ainda no século XIX, a
Revolução Industrial despertou o ideal socialista. A competição desenfreada, o
trabalho diário de doze horas, o emprego de crianças e a miséria inspiraram a
defesa da igualdade.
Karl Marx, o mais
importante teórico do socialismo, e Friedrick Engels acusavam o capitalismo de
gerar o conflito de classes. No Manifesto Comunista (1848), eles sustentaram
que o conflito conduziria ao triunfo da classe trabalhadora. O socialismo
criaria uma forma superior de organização da sociedade que aboliria a
propriedade privada e daria aos operários o controle dos meios de produção.
O comunismo, tido como
estágio superior do socialismo, estabeleceu-se com a Revolução de Outubro de
1917, na Rússia. A ditadura do proletariado prometia o fim da opressão
política, econômica e cultural. Os privilégios e os desperdícios acabariam. O
comunismo seria um sistema científico, humanitário e irreversível. A União
Soviética superaria os Estados Unidos. O capitalismo ruiria sob o peso de suas
contradições.
Depois da II Guerra, com o
aumento do número de países comunistas, muitos se convenceram de que o regime
seria o futuro da humanidade, esquecendo que ele implicava o monopólio do poder
do partido e o hipercentralismo. Eleições livres eram suprimidas e
instaurava-se o totalitarismo. Desaparecia o respeito pela vida e eliminava-se
a oposição.
O regime comunista continha
falhas que inibiam as iniciativas. Não havia incentivos à busca da eficiência e
da produtividade. Sem democracia, inexistiam críticas a políticas equivocadas.
Os erros não eram detectados nem corrigidos. A mola que impele o sistema
capitalista, a inovação, era fraca.
O sistema de preços não
tinha função. As decisões econômicas cabiam a um órgão central. Com a crescente
complexidade da economia, esse arranjo se tornaria incapaz de planejar e
coordenar atividades que envolviam gigantesco número de bens, serviços,
consumidores e produtores. Somente a descentralização típica do capitalismo conseguia
realizar essa façanha. Foi o comunismo, e não o capitalismo, a vítima de suas
contradições.
A União Soviética se
dissolveu em 1991. Seus integrantes adotaram o capitalismo. A China optou pela
economia de mercado em 1978 com as reformas de Deng Xiaoping. Cuba dá passos
para fazer o mesmo, como na distensão das relações diplomáticas com os Estados
Unidos. Caso à parte, a Coreia do Norte mantém o comunismo à custa do
totalitarismo.
O capitalismo foi capaz de
se renovar nos campos social, político e econômico a partir da segunda metade
do século XIX. Reformas políticas ampliaram a participação eleitoral e
consolidaram a democracia representativa. Programas sociais, particularmente
nos campos previdenciário, da educação, da saúde e da renda mínima, viabilizaram-se
com a arrecadação propiciada pela expansão da economia.
O mercado e as instituições
ampliaram seu papel no estímulo à competição e, sobretudo, à inovação, que é a
origem do processo de destruição criativa de que falava Joseph Schumpeter. Para
ele, a inovação é a força motriz do crescimento e o “fato essencial do
capitalismo”. A baixa capacidade de inovar foi a maior deficiência do
comunismo.
O moderno capitalismo é
composto de quatro elementos segundo Larry Neal, um dos coordenadores do livro
“The Cambridge History of Capitalism” (2014): (1) direitos de propriedade; (2)
respeito a contratos determinado por uma terceira parte (o Judiciário ou
câmaras de arbitragem); (3) mercados que reagem ao sistema de preços; e (4)
bons governos que apoiam a atividade privada.
O fracasso do comunismo e a
reafirmação do capitalismo não arrefeceram de todo a crença na utopia
socialista. No Reino Unido, o Partido Trabalhista, que parecia ter-se
modernizado sob a liderança de Tony Blair, retrocede aos tempos do esquerdismo
radical. Acaba de eleger um admirador confesso de Marx, Jeremy Corbyn, como o
novo líder.
O Brasil construiu
instituições básicas do capitalismo, mas a sociedade ainda não assimilou todos
os princípios da ordem liberal, a fonte do êxito capitalista. No governo, o PT
adotou ultrapassados ideais do intervencionismo estatal, reintroduziu o
capitalismo de compadrio, que beneficia grupos em detrimento da maioria e da
produtividade.
Neste momento, o desafio é
promover reformas estruturais com vistas a fortalecer o capitalismo. Para o
futuro, será preciso vencer a cultura antiliberal de muitos segmentos e reduzir
o ranço socialista que ainda pulula nas escolas, nas universidades, em partidos
e em sindicatos. Sem essas mudanças, o Brasil dificilmente se tornará um país
rico. É preciso lutar por elas.
Fonte: Veja, Maílson da Nóbrega, 23/09/2015.