Nas últimas décadas ocorreram grandes mudanças na economia mundial, sobretudo a partir da influência da reestruturação produtiva iniciada na década de 1970 nos Estados Unidos e na Europa ocidental (ver capítulo 7). As consequências desse processo de reestruturação produtiva mundial, que teve por base a substituição intensa de trabalho por novas tecnologias produtivas, sobretudo robótica e microeletrônica, foram percebidas no Brasil durante a década de 1990, mas se prolongam até os dias de hoje.
A incorporação dessa base tecnológica foi impulsionada pelo avanço do neoliberalismo dos governos Fernando Collor (1990 a 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que promoveram a abertura econômica, a privatização de empresas estatais e a desregulamentação de leis de proteção ao trabalhador. Essas medidas tiveram como consequências centrais o aumento do desemprego formal e, em razão disso, o aumento do trabalho informal, reduções salariais significativas, a precarização do trabalho e o enfraquecimento político da classe trabalhadora.
A Sociologia brasileira analisou esse período destacando questões como: a consolidação da democracia política, o nascimento de novos movimentos sociais, a constituição de políticas neoliberais, de novas identidades sociais e culturais, a questão ambiental, a questão racial, as políticas de inclusão social, as políticas de cotas e, nos últimos anos, a discussão sobre as classes médias e sobre o neodesenvolvimentismo. A seguir discutiremos a questão do trabalho e de sua precarização, enfatizando em que medida a desigualdade social ganhou novos contornos em razão das relações de trabalho que se estabeleceram nas três últimas décadas.
A reestruturação produtiva chegou ao Brasil no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Da mesma forma que a reestruturação produtiva europeia e estadunidense, ocasionou a substituição intensa de postos de trabalho por tecnologias robótica e microeletrônica. Com isso, provocou a dispensa de boa parte da classe operária industrial e o acúmulo de funções para os trabalhadores que permaneceram em seus postos de trabalho.
Entretanto, no Brasil, o processo de reestruturação produtiva apresenta particularidades. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos observava-se, antes da reestruturação produtiva, leis de proteção ao trabalhador instituídas no contexto do Estado de bem-estar social, no Brasil a história é bem distinta. Nos dois cenários a reestruturação se desenvolve em um mesmo sentido: aumentar a produtividade para gerar mais lucro, com base na subalternização política da classe trabalhadora e de suas instituições representativas (sindicatos e partidos). No Brasil, porém, um passado de desigualdades sociais, que desde o período colonial tem relação com a escravidão, depois com as formas desiguais de inclusão do negro na sociedade de classes, de separação marcante entre ricos e pobres, influenciou profundamente a forma como a reestruturação produtiva se efetivou no país.
Em termos de desigualdade social, o Brasil continua apresentando um dos índices mais altos do mundo. A reestruturação produtiva aprofundou uma condição de precariedade que a classe trabalhadora já vivenciava desde sua formação, no início do século XX. A precarização do trabalho tem, portanto, não apenas características gerais, que abrangem outros países no mundo, mas também características específicas.
Entre as características gerais, podemos destacar a desregulamentação das leis de proteção ao trabalhador e a terceirização, que se fundamenta no princípio da empresa enxuta. As empresas transferem para terceiros a responsabilidade de partes da produção que não considerem estratégicas. Por exemplo, as indústrias de automóveis terceirizaram não apenas a produção de peças e a distribuição dos veículos, mas também a segurança dos prédios e a alimentação dos funcionários. Esse processo pode ser observado também entre os bancos, que na década de 1990 terceirizaram o serviço de compensação de cheques, além da segurança e da alimentação dos funcionários. Em relação à desregulamentação de leis trabalhistas, durante os anos 1990 houve um processo de “flexibilização” das negociações salariais, de jornada de trabalho (com o banco de horas), de formas de contratação (como a contratação por tempo parcial), o que permitiu ao empregador dispensar o trabalhador a qualquer momento, favorecendo, assim, a subcontratação, muito presente nas empresas terceirizadas, nas quais os direitos trabalhistas foram drasticamente reduzidos.
Entre os aspectos específicos da reestruturação da produção e do trabalho no Brasil, temos como características a informalidade, a degradação das condições de trabalho e a intensificação de problemas de saúde no trabalho. De acordo com os dados expostos pela socióloga Graça Druck (1953-), a precarização tem aumentado nos últimos anos. Em seu levantamento, feito com base na
Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), em 2009 havia 101,1 milhões de indivíduos economicamente ativos no Brasil. Dentre esses 101,1 milhões, 8,4 milhões eram desempregados e 8,2 milhões estavam sem remuneração alguma. Druck entende, assim, que 16,6 milhões de pessoas, isto é, 16,4% da população ativa estava fora do mercado de trabalho. Além disso, observa com base no mesmo censo que dos 84,5 milhões de indivíduos empregados, 43,5 milhões estavam sem carteira assinada, isto é, sem os direitos trabalhistas garantidos pelo emprego formal. Esses números revelam um alto grau de informalidade do trabalho no Brasil.
A intensificação do trabalho, seja pela extensão da jornada, seja pela aceleração no ritmo da produção, com imposição de metas e acúmulo de funções, caracteriza a superexploração do trabalho. Em termos da saúde do trabalhador, nota-se, como mostra Graça Druck, uma evolução no número de acidentes de trabalho na última década, além do aumento de doenças mentais relacionadas à violência nos ambientes de trabalho, derivada da pressão exercida sobre os trabalhadores em razão de uma ideologia de metas produtivas a serem atingidas a qualquer preço. Segundo a autora, em 2001 foram registrados 340,3 mil acidentes de trabalho no Brasil; já em 2009, o número de acidentes sobe para 723,5 mil, um aumento de 126% em nove anos.
Observa-se, portanto, um quadro de reprodução das formas de desigualdades sociais no Brasil. É importante salientar que as causas dessa desigualdade devem ser pensadas na relação entre vários elementos que compõem a historicidade da sociedade brasileira. Compreender nosso passado é o ponto de partida para entendermos o Brasil contemporâneo, sobretudo se observarmos como novas demandas, reivindicações e problemas sociais aparecem mascarados de novidade, mas, na maioria das vezes, têm relação com velhas questões de nossa estrutura social.
Atividade
14º) A reestruturação produtiva chegou ao Brasil no final dos anos 1980 e ocasionou a substituição intensa de postos de trabalho por tecnologias robótica e microeletrônica. Qual foi objetivo de tal reestruturação do trabalho?
a) Aumentar a produtividade para gerar mais lucro.
b) Aumentar a liberdade política do trabalhador.
c) Implantar uma cultura subalterna nas classes dominantes.
d) Diminuir as desigualdades sociais.
15º) A precarização do trabalho é um evento visto dentro da estruturação do trabalho e tem características gerais, que abrangem outros países no mundo, e características específicas no Brasil. Cite algumas características gerais.
a) A desregulamentação das leis de proteção ao trabalhador e a terceirização.
b) Diminuição do rendimento das empresas.
c) Perda de competitividade pelas empresas.
d) Aumento dos preços dos produtos.
16º) O que podemos esperar como resultado se aumentar a pressão exercida sobre os trabalhadores em razão de uma ideologia de metas produtivas a serem atingidas a qualquer preço?
a) Evolução no número de acidentes de trabalho e aumento de doenças mentais relacionadas aos ambientes de trabalho.
b) Diminuição no número de acidentes de trabalho e de doenças mentais relacionadas aos ambientes de trabalho.
c) Melhores salários para os trabalhadores.
d) Menos lucros para as empresas.
Sociologia hoje (175 - 177): volume único: ensino médio /Igor José de Renó Machado… [et al.]. – 1. ed. –São Paulo: Ática, 2013.